GRAÇA MORAIS
A
pintora Graça Morais recebeu o prémio “Personalidade do Norte”, atribuído pela
Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-Norte), considerando
o “seu génio criador profundamente arraigado às suas origens nortenhas, o seu
indelével contributo no desenvolvimento das Artes e da Cultura” e o Prémio
Vasco Graça Moura – Cidadania Cultural devido ao seu talento, mas também pela seu
humanismo e a sua compaixão, como cidadã. Tem recebido distinções regularmente.
Informação sobre a vida e obra de Graça Morais está disponível na web,
fácil de encontrar, porque é uma figura pública das Artes Plásticas, com
currículo invejável, tanto aqui em Portugal, como na Europa, e temos o Centro
de Arte Contemporânea Graça Morais em Bragança, com acesso fácil e rápido.
Graça Morais
é uma pintora de vida cheia, trabalhadora, sensível, determinada, com uma
grande força interior e o seu trabalho tem sido, felizmente, progressivamente valorizado.
Não precisou de envelhecer ou até de morrer, para lhe atribuírem mérito e ser
reconhecida. Aprecio muito o seu trabalho, conheço-a há muitos anos, já
trabalhei com ela como responsável pela execução de um grande painel de
azulejos, que está localizado numa das escolas do nosso agrupamento, tendo-me
sido possível perceber como age profissionalmente, fora do foco da comunicação
social e confirmar a sua postura genuína.
Admiro o caminho que escolheu nas Artes Plásticas,
inspirando-se nas suas origens. Afirma frequentemente que pinta sobre o que
sabe e o que conhece, é essa a sua matéria-prima e o seu imaginário. Possui
formação académica de grau superior, formou-se em Pintura na Escola Superior de
Belas Artes do Porto, depois foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian (anos
70), em Paris, com possibilidade de contacto com as grandes correntes
artísticas europeias dos anos 70. Inspirada em algumas vivências eruditas,
interligadas com a contemporaneidade e não só, Chagall, Van Gogh, Rembrandt, El
Greco e Francis Bacon, permitiram-lhe construir um caminho relacionado com as
suas origens transmontanas. Não foi à sorte, nada tem de naife, nem foi
uma temática escolhida por facilitismo “pimba”, pelo contrário, é caminho bem
estruturado, bem fundamentado e inesgotável, porque a sua memória, capacidade
de observação e reflexão e a determinação de registar e partilhar, são enormes.
Não se
inibe em falar sobre o que pinta, adicionando conhecimento, apurando a nossa
visão sobre a sua obra, dignificando os temas, consolidando as suas opções,
reforçando as suas inquietações, tornando-as em caminho único, singular e da
sua pertença. Não representa pessoas bonitinhas, bem penteadas em cenários a
condizer. Ela pinta pessoas do povo, que conhece nas aldeias de Vieiro e Freixiel,
anónimos, mas que nós, transmontanos, conseguimos ler a Maria, a Josefina, o
Joaquim que conhecemos, em Lamas-de-Olo, em Carro Queimado ou em Nogueira, o
que nos emociona, quando visitamos as suas exposições. Esta identidade é
gritante, incapaz de gerar indiferença ao observador, por o sofrimento ser
universal. Mais ninguém no mundo pinta assim. Associo-a sempre à escrita de
Torga, o drama humanista, a voz da terra, o sofrimento e o desassossego.
Durante
muitos anos, a sua vida divide-se (ou une-se), entre Lisboa e a aldeia de
Vieiro, mas é a realidade transmontana que surge nas suas mãos, nos seus
desenhos, na sua cabeça e no seu coração. A sua ruralidade pintada aparece de
forma real, “nua e crua”. Conhece bem a geada, o frio, os agasalhos de Inverno,
o calor infernal do Verão e a natureza nem sempre generosa – é um banco de memórias
fidedignas ao Nordeste de Trás-os-Montes. Conhece bem as mulheres, as suas
rugas, sofrimento, inquietações e a sua delicadeza, representada através das travessas
nos cabelos, das expressões dos rostos, dos olhares, da textura da pele; as
tarefas femininas e masculinas ligadas à lavoura, o mundo religioso e o mundo profano
da ruralidade, são temas frequentes. A sua pincelada/traço é dura, decidida e rigorosa,
por vezes, realisticamente chocante ou inquietante, para o observador. Por
vezes não elimina os vários traços da sua procura gráfica, assumindo o registo
da ansiedade, invisível em todo o acto criativo.
Perante
isto, não a julguemos como mulher confinada nesse território, provinciana, parada
no tempo, Graça Morais tem alma grande, perfil intelectual e sempre atenta ao
que se passa no mundo. A transformação política e social no mundo interessa-lhe,
emociona-a e tem sensibilidade apurada pela temática humanista, que se revela
pela opressão, guerra, sofrimento e fome. Não se inibe de opinar, sempre do
lado dos mais frágeis. Na sua pintura existe a simplicidade e a exuberância,
articuladas com uma grande contemporaneidade, lendo-se uma narrativa plástica
actual, arrojada, marcante e valiosa.
Cada
entrevista que concede, permite-nos conhecê-la melhor, o que sente e como
trabalha. O seu trabalho preferido é “O
Vieiro”, não gosta de pedir nada, é sensível à causa das mulheres, considera
que “as mulheres é que aguentam o mundo”
e que a maternidade torna-as muito poderosas, quando a pintura e o desenho não
flui, vê filmes, não consegue viver sempre em Vieiro, necessita do contacto com
as grandes cidades e das novidades que ai fervilham, rói as unhas, partilha a
sua vida com o músico Pedro Caldeira Cabral, gosta de trabalhar com pessoas
exigentes, lê o jornal logo de manhã e por vezes recorta imagens que lhe servem
de inspiração, tem muito orgulho no Centro de Arte Contemporânea de Bragança e
o seu papel pedagógico desenvolvido com as escolas. Foi distinguida com vários
prémios nacionais e no estrangeiro, não faço ideia quantas obras tem, devem
ultrapassar o milhar, porque é incansável. Em 2022 foi-lhe atribuído o título
de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
(UTAD), enriquecendo o mundo académico.
O tema
das suas obras ultrapassou há muito os limites de Vieiro - o sofrimento, a
violência e as inquietações despertadas pela emigração, os refugiados, a
pandemia e a guerra da Ucrânia… sempre as mulheres e o seu sofrimento. A
violência do Homem, é retratada na última exposição “Anjos e Lobos, diálogos da
humanidade” – o título, por si, já é revelador. São 72 obras da pintora,
expostas em Lisboa, que atravessam 4 décadas de trabalho árduo e inquieto sobre
a evolução da humanidade.
A
minha preferência vai sempre para a série “Metamorfoses”, personagens
enigmáticas que abrem um espaço enorme à interpretação do observador.
Um
apontamento final, a produção desta artista é de tal forma grande que, em Dezembro
de 2022, tem 3 exposições a decorrer: Lisboa, Côa e Bragança.
Graça
Morais acredita que “a arte pode construir uma nova humanidade”.
Anabela
Quelhas (professora)
(não
cumpre o Novo Acordo Ortográfico)
Publicadona revista porque[L]ê
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