Voz off:
A história que se vai contar fala do perigoso rumo da sociedade, da crise da
educação e da importância dos pais e dos professores como construtores de um
mundo melhor. Num tempo não muito distante do nosso, a humanidade tornou-se tão
caótica que os homens fizeram um concurso, o de saber qual a profissão mais
importante da sociedade. Os organizadores do evento construíram uma grande e
belíssima torre, cravejada de pedras preciosas dentro de um grande estádio.
Chamaram a imprensa mundial. No estádio estavam pessoas de todas as classes
sociais. Nações e grandes empresas patrocinavam a disputa.
Presidente da organização:
(Bem vestido, confiante, orgulhoso da iniciativa e com voz altiva)
_ Começo por agradecer a todos os participantes das
classes que vão participar no concurso, às entidades, ao público em geral e,
claro está, a toda a imprensa mundial. O concurso está aberto. (E
continuou) _ Cada profissão é representada por um ilustre orador que
deve subir a um degrau da torre, fazer o seu discurso sobre os motivos pelos
quais a sua profissão é a mais importante da sociedade moderna. Deve permanecer
na torre até ao final.
Vice-presidente da
organização: (que estava ao lado do presidente
e sentado na mesma mesa)
_ Informo que a votação é mundial e pela internet! O
grande vencedor receberá como prémio o prestígio social, uma grande quantia em
dinheiro e subsídios do governo.
O mediador do concurso:
(Bradou num tom de voz mais alto e sorridente) _ O espaço está
aberto! Quem é o primeiro a subir à torre?
(Os organizadores entreolharam-se acenando com a
cabeça quem seria o primeiro).
Representante dos psiquiatras: (Entra todo confiante e
prazenteiro, com os cabelos desalinhados, mas bem vestido.)_A
depressão e a ansiedade são as doenças do século. As pessoas perderam o encanto
pela existência. Muitas desistem de viver. A indústria dos antidepressivos e
dos tranquilizantes tornou-se a mais importante do mundo. (Faz uma pausa)
Plateia: (Nos bancos da frente. Acenam
uns para os outros que sim, atónitos com os argumentos convincentes, enquanto o
representante dos psiquiatras bebe um pouco de água)
Um elemento da plateia: _ Ele não deixa de ter razão! (aparte
baixinho para os outros que apenas acenam com a cabeça que sim)
Representante dos
psiquiatras: _ O normal é ter conflitos
e o anormal é ser saudável. O que seria da sociedade sem os psiquiatras? (faz uma pequena pausa, olha para o
público e prossegue confiante)
_ uma casa de seres humanos sem qualidade de vida! (E conclui) _
por vivermos numa sociedade doentia, declaro que somos, juntamente com os
psicólogos clínicos, os profissionais mais importantes da sociedade!
Voz off: No estádio reinou o silêncio. Na
plateia olhavam entre si e para si e perceberam que não eram alegres, estavam
“stressados”, dormiam mal, acordavam cansados, tinham uma mente agitada, dores
de cabeça. Sabem quem subiu depois?
Mediador do Concurso:(bradou novamente em voz alta)_ O espaço está aberto! Quem é o
próximo a subir à torre?
O representante dos
magistrados: (sai da plateia e dirige-se para o palco, subindo
a um degrau mais alto, confiante, bem vestido com a sua capa preta)
_ Observem os índices de violência!
Eles não param de aumentar. Os raptos, os assaltos, a violência doméstica, os
crimes de pedofilia, as corrupções enchem as páginas dos jornais. (Faz
uma pequena pausa e bebe um pouco de água). A agressividade nas
escolas, os maus tratos a crianças, a descriminação racial e social fazem parte
da nossa rotina. Os homens amam os seus direitos e desprezam os seus deveres. (nova
pausa para beber e olhar sem nada dizer para o público)
Plateia: (maneou
a cabeça concordando com os argumentos)
Outro elemento do Plateia:_
Também não deixa de ter razão! (aparte
baixinho para os outros)
O representante dos
magistrados:(mais
persuasivo)_ O
tráfico de droga movimenta tanto dinheiro como o petróleo. Não há como acabar
com o crime organizado. Sem os juízes e os promotores a sociedade arruína-se!
Por isso, declaro que, com o apoio dos promotores e do aparelho policial,
representamos a classe mais importante da sociedade.
Voz off: Todos engoliram em seco as
palavras. Elas perturbaram os ouvidos e queimavam a alma. Mas pareciam
incontestáveis. Subiu à torre outro representante, heroico e cheio de brio das
suas medalhas.
Mediador do Concurso:
_ O
espaço está novamente aberto! O
próximo representante que se aproxime. (Suava. Limpa o suor do rosto com um lenço)
O representante das
forças armadas: (levanta-se
da plateia dirige-se para o palco. Sobe a um degrau ainda mais alto da torre)
_Os homens fazem guerra e matam-se
por muito pouco. O terrorismo elimina milhares de pessoas. As guerras tribais,
religiosas e comerciais matam milhares de pessoas e deixam milhões de pessoas a
morrer à fome. As nações só se respeitam pela economia e pelas armas que
possuem, e não pelo diálogo. Quem quiser a paz tem de se preparar para a guerra
(faz uma pausa, bebe um pouco de água e continua) _ Sem as forças
armadas não há segurança. É a classe mais importante, mas também a mais
poderosa.
Voz off: A
alma dos ouvintes gelou. Todos ficaram atónitos. Os argumentos dos
três oradores eram fortíssimos. As pessoas de todo o mundo, perplexas, não
sabiam que atitude tomar: se aclamavam um orador ou se choravam pela crise da
espécie humana.
Mediador do concurso: (Olhando
para várias direções a ver se mais algum orador se levantava.)
_
Penso que mais nenhum orador se quer pronunciar, por isso damos por encerradas
as intervenções e daremos início à votação!
(Enquanto o mediador olhava para os
organizadores à espera de um sinal, para o público de onde vinha certos rumores
que se estavam a fazer ouvir, um grupo de professores, educadores de infância,
do primeiro ciclo, do ensino básico e secundário, dialogavam com um grupo de
pais e começaram a subir o palco e colocam-se no fim da torre. As câmaras dos
jornais começaram a tirar fotos e projetam uma imagem deles na tela. O mediador
intervém gritando)
Mediador do concurso:_Por
favor, um representante da vossa classe que suba à torre!
Todos os Professores:
(em conjunto e,
calmamente, responderam)_ Não,
nós não precisamos de protagonismo, de holofotes, estamos bem onde estamos!
Professor 1: (virando-se para o representante
dos psiquiatras)_ Não
queremos ser mais importantes do que vocês. Apenas queremos ter condições para
educar a emoção dos nossos alunos, formar jovens livres e felizes, para que
eles não adoeçam e sejam tratados por vocês!
(O psiquiatra olha atónito para ele, sem nada dizer.)
Professora 2: _ (Dirige-se para o representante
dos magistrados) Sr.
Magistrado, nunca tivemos a intenção de ser mais importantes do que os juízes.
Desejamos apenas ter condições para trabalhar a inteligência dos nossos jovens,
ajudando-os a pensar e a aprender a grandeza dos direitos e dos deveres do ser
humano, para que nunca se sentem no banco dos réus!
(O magistrado tremeu no alto da torre, atónito)
Professora 3: (tímida, voz doce, encara o
representante das forças armadas)_ Sr. Comandante, os
professores de todo o mundo nunca desejaram ser mais poderosos, nem mais
importantes do que os membros das forças armadas. Desejamos apenas ser importantes
no coração das nossas crianças, levá-las a compreender que todas elas são
únicas e insubstituíveis!
Professora nº4:
_ (continua
sorridente) Assim, eles apaixonar-se-ão pela vida e,
quando tiverem o controlo da sociedade, nunca farão guerras, sejam físicas que
tiram o sangue, sejam comerciais que tiram o pão. Acreditamos que os fracos
usam a força, mas os fortes usam o diálogo para resolver os seus conflitos,
pois violência gera violência!
Pais:
_ (que estavam
junto aos professores na base da torre) Bravo! Bravo. Os
professores são os maiores!
(Os
organizadores do evento murmuram entre eles; os professores e pais continuam a
falar baixinho).
Voz off: O
mundo ficou perplexo. As pessoas não imaginavam que os professores, que viviam
no pequeno mundo das salas de aula, fossem tão sábios. O discurso dos
professores abalou os líderes do evento.
(O mediador do evento, vendo ameaçado
o êxito da disputa, falou arrogantemente, dirigindo-se a todos os professores)
Mediador do Concurso:_Sonhadores!
Vocês vivem fora da realidade!
Professor 5:(Bradou com sensibilidade) _Se
deixarmos de sonhar, morreremos!
Mediador do evento:(Com intenção de ferir os professores)
_Quem se importa com os professores
atualmente? Comparem-se com as outras profissões. Vocês não participam das
reuniões políticas mais importantes. A imprensa raramente os noticia. A
sociedade pouco se importa com a escola. Olhem para o vosso salário no final do
mês?
Professora nº 3: (Fita o mediador com segurança) _ Não trabalhamos apenas pelo salário, mas pelo amor
dos seus filhos e de todos os jovens do mundo.
Mediador do concurso: (Irado para o 3º professor)_A
sua profissão será extinta nas sociedades modernas. Os computadores estão a
substituí-los! Vocês não são dignos de estar nesta disputa!
Plateia: (manipulada vira-se contra os
professores, condenando-os em coro)_ Viva a educação
virtual! Computadores! Computadores! Fim dos professores!
Professor nº5:
(triste e
cabisbaixo. Vira-se para a plateia e para todos
os que estavam no concurso)
_ Nunca
fomos tão humilhados! Estas palavras foram um duro golpe. Vamos abandonar a
torre e, desde já, os avisamos que abandonaremos também as salas de aula.
(Os professores abandonam a torre e esta desaba. Já
fora do auditório os professores, os oradores foram hospitalizados, levando-os
duas pelas pernas e pelos braços. Saem todos do palco).
Voz off:
A torre desabou.
Ninguém imaginava, mas eram os professores e os pais que seguravam a torre.
Tentaram
substituí-los por computadores nas salas, dando uma máquina a cada aluno.
Usaram as melhores técnicas de multimédia. Sabem o que aconteceu?
A
sociedade desabou. As injustiças e as misérias da alma aumentaram mais ainda. A
depressão, o medo, a ansiedade atingiu grande parte da população. A violência e
o crime multiplicaram-se. A convivência humana, que já era difícil tornou-se
intolerável. Todos compreenderam que os computadores não conseguiam ensinar a
sabedoria, a solidariedade e o amor pela vida. O público nunca pensou que os
professores fossem os alicerces das profissões.
Todos compreenderam que a sociedade vive uma
longa e nublosa noite. A ciência, a política e o dinheiro não a conseguiam
superar. Perceberam que a esperança de um belo amanhecer repousa sobre cada pai,
cada mãe e cada professor, e não sobre os psiquiatras, os juízes, os militares,
a imprensa… Eles são a esperança do mundo!
Depois
de restabelecidos, os organizadores do evento, os representantes das classes,
psiquiatras, juízes, militares e os empresários fizeram uma reunião com os
professores em cada cidade de cada nação.
(Entram todos e sentam-se à mesa.
Falam por ordem: Primeiro o presidente da organização do concurso, depois, o político)
Presidente da organização: _ Reconhecemos
que cometemos um crime contra a educação. Pedimos desculpa, mas não abandonem
os nossos filhos!
Político: _ Todos os líderes
políticos mundiais comprometem-se a que metade do orçamento que se gasta com
armas, com o aparato policial e com a indústria dos tranquilizantes e dos
antidepressivos será investida na educação. Prometemos também resgatar a
dignidade dos professores e nenhuma criança ficará sem escola.
(Os professores choraram. Ficaram comovidos.)
Voz off: Há séculos que os
professores esperavam que a sociedade acordasse para o drama da educação.
Infelizmente, a sociedade só acordou quando as misérias sociais atingiram
patamares insuportáveis.
Professor nº 1: _ Estamos
sensibilizados com o vosso reconhecimento. De facto, nós amamos cada criança,
cada adolescente e cada jovem e tudo o que fazemos é para o seu bem-estar e
para a sua formação integral, contribuindo para a construção de uma sociedade
melhor e mais justa. Voltaremos para as salas de aula e ensinaremos cada aluno
a navegar nas águas da emoção.
(Todos se calam e permanecem nos
lugares)
Voz off:
Pela
primeira vez, a sociedade colocou a educação no centro das suas atenções. A luz
começou a brilhar depois da longa tempestade… Ao fim de dez anos, os resultados
apareceram e, vinte anos depois, todos ficaram boquiabertos.
Os
jovens já não desistiam da vida. Já não havia suicídios. O uso das drogas
dissipou-se. Quase já não se ouvia falar de transtornos psíquicos e de
violência. E a discriminação? O que era isso? Já ninguém se lembrava do seu
significado. Os brancos abraçavam afetuosamente os negros. As crianças judias
dormiam em casa das palestinas. O medo dissolveu-se, o terrorismo desapareceu,
o amor triunfou
. As prisões
tornaram-se museus. Os polícias tornaram-se poetas. Os consultórios de
psiquiatria esvaziaram-se e tornaram-se escritores. Os juízes tornaram-se
músicos. Os promotores filósofos. E os generais? Descobriram o perfume das
flores, aprenderam a sujar as mãos para as cultivar.
E os jornais e as
televisões do mundo? O que noticiavam, o que vendiam? Deixaram de vender
mazelas e lágrimas humanas. Vendiam sonhos, anunciavam a esperança…
Quando se tornará
esta história realidade? Se todos sonharmos este sonho, um dia ele deixará de
ser apenas um sonho.
CURY, Augusto, Pais Brilhantes, Professores Fascinantes-
Como formar jovens felizes e inteligentes, Editora Pergaminho, 2004, pp
159-167. (Texto adaptado e com supressões)
NOTA: A Editora e o autor
permitem o uso do texto da “Grande Torre” para encenação teatral nas escolas,
com o objetivo de homenagear os pais e os mestres, desde que citada a fonte.
(N.do A.)