Faz 24 anos que a minha vida profissional mudou. Pediram-me
para fazer um projeto de arquitetura de uma biblioteca escolar e centro de
recursos educativos, uma BE/CRE, no 1º andar de um pavilhão escolar
normalizado, dividido em salas. Disseram-me, há pouco dinheiro e podes deitar
abaixo as paredes q quiseres. Acionei a memória, já tinha feito um projeto para
uma candidatura da Torre do Tombo em Lisboa, em que tudo se configura por
metros e quilómetros de estantes. Investiguei bibliotecas escolares novas existentes
em Portugal, não havia nada, consultei as obras do arquiteto Alvar Aalto na Finlândia
e essencialmente estudei o conceito de biblioteca escolar, fui parar numas
orientações da Unesco.
Passados uns meses (1999), o projeto foi aprovado pelo
Ministério de Educação e esta biblioteca foi integrada na Rede de Bibliotecas Escolares
RBE, as paredes foram abaixo, e nasceu uma grande biblioteca, um auditório, uma
sala polivalente, câmara escura, sala multimédia, arrecadação e wc. Instalou-se um painel de azulejos do pintor
Emerenciano "Pensar é entrar num labirinto". Foi inaugurada, ainda
com pouco mobiliário e dei por terminado o meu trabalho.
Nesse dia a direção da escola convocou-me e propôs-me novo
desafio:
-Já que projetaste a melhor BE/CRE da região agora é preciso que
ela funcione e a nossa proposta é que a ponhas a funcionar. Não aceitamos um
não, diz-nos o que precisas.
-Preciso de respirar! Não entendo nada de bibliotecas,
talvez um professor de línguas seja mais adequado. Temos aqui bons professores
- Vais ser tu!
- Não quero estar numa biblioteca a aconselhar leituras, nem
sei catalogar, é melhor não. Sou daquelas profs que lê banda desenhada e livros
de arte. Não consigo cumprir rotinas...eu quero é dar aulas e mexer esteticamente na mente dos meus alunos, a biblioteca para mim é algo diferente... não
tenho paciência para ficar aqui a cumprir horário. - argumentei como pude.
- Por isso mesmo é que confiamos em ti.
Há 23 anos que vivo com as bibliotecas entre a razão e o
coração. Interrompi 2 anos por motivos pessoais. Todos os anos em julho, ponho
o meu cargo à disposição e todos os anos o renovam.
Fui adotando outras bibliotecas. Agora são 5. Tenho um coração elástico.
Estou grata a todos e prendo todos os dias.
Anabela Quelhas
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