terça-feira, 25 de janeiro de 2022

" A Grande Torre"- Quais os profissionais mais importantes da sociedade


 

Voz off: A história que se vai contar fala do perigoso rumo da sociedade, da crise da educação e da importância dos pais e dos professores como construtores de um mundo melhor. Num tempo não muito distante do nosso, a humanidade tornou-se tão caótica que os homens fizeram um concurso, o de saber qual a profissão mais importante da sociedade. Os organizadores do evento construíram uma grande e belíssima torre, cravejada de pedras preciosas dentro de um grande estádio. Chamaram a imprensa mundial. No estádio estavam pessoas de todas as classes sociais. Nações e grandes empresas patrocinavam a disputa.

 

Presidente da organização: (Bem vestido, confiante, orgulhoso da iniciativa e com voz altiva)

            _ Começo por agradecer a todos os participantes das classes que vão participar no concurso, às entidades, ao público em geral e, claro está, a toda a imprensa mundial. O concurso está aberto. (E continuou) _ Cada profissão é representada por um ilustre orador que deve subir a um degrau da torre, fazer o seu discurso sobre os motivos pelos quais a sua profissão é a mais importante da sociedade moderna. Deve permanecer na torre até ao final.

Vice-presidente da organização: (que estava ao lado do presidente e sentado na mesma mesa)

            _ Informo que a votação é mundial e pela internet! O grande vencedor receberá como prémio o prestígio social, uma grande quantia em dinheiro e subsídios do governo.

O mediador do concurso: (Bradou num tom de voz mais alto e sorridente) _ O espaço está aberto! Quem é o primeiro a subir à torre?

(Os organizadores entreolharam-se acenando com a cabeça quem seria o primeiro).

Representante dos psiquiatras: (Entra todo confiante e prazenteiro, com os cabelos desalinhados, mas bem vestido.)_A depressão e a ansiedade são as doenças do século. As pessoas perderam o encanto pela existência. Muitas desistem de viver. A indústria dos antidepressivos e dos tranquilizantes tornou-se a mais importante do mundo. (Faz uma pausa)

Plateia: (Nos bancos da frente. Acenam uns para os outros que sim, atónitos com os argumentos convincentes, enquanto o representante dos psiquiatras bebe um pouco de água)

Um elemento da plateia: _ Ele não deixa de ter razão! (aparte baixinho para os outros que apenas acenam com a cabeça que sim)

Representante dos psiquiatras: _ O normal é ter conflitos e o anormal é ser saudável. O que seria da sociedade sem os psiquiatras? (faz uma pequena pausa, olha para o público e prossegue confiante) _ uma casa de seres humanos sem qualidade de vida! (E conclui) _ por vivermos numa sociedade doentia, declaro que somos, juntamente com os psicólogos clínicos, os profissionais mais importantes da sociedade!

 

Voz off: No estádio reinou o silêncio. Na plateia olhavam entre si e para si e perceberam que não eram alegres, estavam “stressados”, dormiam mal, acordavam cansados, tinham uma mente agitada, dores de cabeça. Sabem quem subiu depois?

 

Mediador do Concurso:(bradou novamente em voz alta)_ O espaço está aberto! Quem é o próximo a subir à torre?

O representante dos magistrados: (sai da plateia e dirige-se para o palco, subindo a um degrau mais alto, confiante, bem vestido com a sua capa preta)

            _ Observem os índices de violência! Eles não param de aumentar. Os raptos, os assaltos, a violência doméstica, os crimes de pedofilia, as corrupções enchem as páginas dos jornais. (Faz uma pequena pausa e bebe um pouco de água). A agressividade nas escolas, os maus tratos a crianças, a descriminação racial e social fazem parte da nossa rotina. Os homens amam os seus direitos e desprezam os seus deveres. (nova pausa para beber e olhar sem nada dizer para o público)

 

 Plateia: (maneou a cabeça concordando com os argumentos)

Outro elemento do Plateia:_ Também não deixa de ter razão! (aparte baixinho para os outros)

O representante dos magistrados:(mais persuasivo)_ O tráfico de droga movimenta tanto dinheiro como o petróleo. Não há como acabar com o crime organizado. Sem os juízes e os promotores a sociedade arruína-se! Por isso, declaro que, com o apoio dos promotores e do aparelho policial, representamos a classe mais importante da sociedade.

 

Voz off: Todos engoliram em seco as palavras. Elas perturbaram os ouvidos e queimavam a alma. Mas pareciam incontestáveis. Subiu à torre outro representante, heroico e cheio de brio das suas medalhas.

 

Mediador do Concurso: _ O espaço está novamente aberto! O próximo representante que se aproxime. (Suava. Limpa o suor do rosto com um lenço)

O representante das forças armadas: (levanta-se da plateia dirige-se para o palco. Sobe a um degrau ainda mais alto da torre)

            _Os homens fazem guerra e matam-se por muito pouco. O terrorismo elimina milhares de pessoas. As guerras tribais, religiosas e comerciais matam milhares de pessoas e deixam milhões de pessoas a morrer à fome. As nações só se respeitam pela economia e pelas armas que possuem, e não pelo diálogo. Quem quiser a paz tem de se preparar para a guerra (faz uma pausa, bebe um pouco de água e continua) _ Sem as forças armadas não há segurança. É a classe mais importante, mas também a mais poderosa.

 

Voz off: A alma dos ouvintes gelou. Todos ficaram atónitos. Os argumentos dos três oradores eram fortíssimos. As pessoas de todo o mundo, perplexas, não sabiam que atitude tomar: se aclamavam um orador ou se choravam pela crise da espécie humana.

 

Mediador do concurso: (Olhando para várias direções a ver se mais algum orador se levantava.)

_ Penso que mais nenhum orador se quer pronunciar, por isso damos por encerradas as intervenções e daremos início à votação!

(Enquanto o mediador olhava para os organizadores à espera de um sinal, para o público de onde vinha certos rumores que se estavam a fazer ouvir, um grupo de professores, educadores de infância, do primeiro ciclo, do ensino básico e secundário, dialogavam com um grupo de pais e começaram a subir o palco e colocam-se no fim da torre. As câmaras dos jornais começaram a tirar fotos e projetam uma imagem deles na tela. O mediador intervém gritando)

Mediador do concurso:_Por favor, um representante da vossa classe que suba à torre!

Todos os Professores: (em conjunto e, calmamente, responderam)_ Não, nós não precisamos de protagonismo, de holofotes, estamos bem onde estamos!

Professor 1: (virando-se para o representante dos psiquiatras)_ Não queremos ser mais importantes do que vocês. Apenas queremos ter condições para educar a emoção dos nossos alunos, formar jovens livres e felizes, para que eles não adoeçam e sejam tratados por vocês!

(O psiquiatra olha atónito para ele, sem nada dizer.)

Professora 2: _ (Dirige-se para o representante dos magistrados) Sr. Magistrado, nunca tivemos a intenção de ser mais importantes do que os juízes. Desejamos apenas ter condições para trabalhar a inteligência dos nossos jovens, ajudando-os a pensar e a aprender a grandeza dos direitos e dos deveres do ser humano, para que nunca se sentem no banco dos réus!

(O magistrado tremeu no alto da torre, atónito)

Professora 3: (tímida, voz doce, encara o representante das forças armadas)_ Sr. Comandante, os professores de todo o mundo nunca desejaram ser mais poderosos, nem mais importantes do que os membros das forças armadas. Desejamos apenas ser importantes no coração das nossas crianças, levá-las a compreender que todas elas são únicas e insubstituíveis!

Professora nº4: _ (continua sorridente) Assim, eles apaixonar-se-ão pela vida e, quando tiverem o controlo da sociedade, nunca farão guerras, sejam físicas que tiram o sangue, sejam comerciais que tiram o pão. Acreditamos que os fracos usam a força, mas os fortes usam o diálogo para resolver os seus conflitos, pois violência gera violência!

Pais: _ (que estavam junto aos professores na base da torre) Bravo! Bravo. Os professores são os maiores!

 (Os organizadores do evento murmuram entre eles; os professores e pais continuam a falar baixinho).

 

Voz off: O mundo ficou perplexo. As pessoas não imaginavam que os professores, que viviam no pequeno mundo das salas de aula, fossem tão sábios. O discurso dos professores abalou os líderes do evento.

 

(O mediador do evento, vendo ameaçado o êxito da disputa, falou arrogantemente, dirigindo-se a todos os professores)

Mediador do Concurso:_Sonhadores! Vocês vivem fora da realidade!

Professor 5:(Bradou com sensibilidade) _Se deixarmos de sonhar, morreremos!

Mediador do evento:(Com intenção de ferir os professores) _Quem se importa com os professores atualmente? Comparem-se com as outras profissões. Vocês não participam das reuniões políticas mais importantes. A imprensa raramente os noticia. A sociedade pouco se importa com a escola. Olhem para o vosso salário no final do mês?  

Professora nº 3: (Fita o mediador com segurança) _ Não trabalhamos apenas pelo salário, mas pelo amor dos seus filhos e de todos os jovens do mundo.

Mediador do concurso: (Irado para o 3º professor)_A sua profissão será extinta nas sociedades modernas. Os computadores estão a substituí-los! Vocês não são dignos de estar nesta disputa!

Plateia: (manipulada vira-se contra os professores, condenando-os em coro)_ Viva a educação virtual! Computadores! Computadores! Fim dos professores!

Professor nº5: (triste e cabisbaixo. Vira-se para a plateia e para todos os que estavam no concurso)

            _ Nunca fomos tão humilhados! Estas palavras foram um duro golpe. Vamos abandonar a torre e, desde já, os avisamos que abandonaremos também as salas de aula.

(Os professores abandonam a torre e esta desaba. Já fora do auditório os professores, os oradores foram hospitalizados, levando-os duas pelas pernas e pelos braços. Saem todos do palco).

 

Voz off:

A torre desabou. Ninguém imaginava, mas eram os professores e os pais que seguravam a torre.

            Tentaram substituí-los por computadores nas salas, dando uma máquina a cada aluno. Usaram as melhores técnicas de multimédia. Sabem o que aconteceu?

            A sociedade desabou. As injustiças e as misérias da alma aumentaram mais ainda. A depressão, o medo, a ansiedade atingiu grande parte da população. A violência e o crime multiplicaram-se. A convivência humana, que já era difícil tornou-se intolerável. Todos compreenderam que os computadores não conseguiam ensinar a sabedoria, a solidariedade e o amor pela vida. O público nunca pensou que os professores fossem os alicerces das profissões.

 Todos compreenderam que a sociedade vive uma longa e nublosa noite. A ciência, a política e o dinheiro não a conseguiam superar. Perceberam que a esperança de um belo amanhecer repousa sobre cada pai, cada mãe e cada professor, e não sobre os psiquiatras, os juízes, os militares, a imprensa… Eles são a esperança do mundo!

            Depois de restabelecidos, os organizadores do evento, os representantes das classes, psiquiatras, juízes, militares e os empresários fizeram uma reunião com os professores em cada cidade de cada nação.

 

(Entram todos e sentam-se à mesa. Falam por ordem: Primeiro o presidente da organização do concurso, depois, o político)

 

Presidente da organização: _ Reconhecemos que cometemos um crime contra a educação. Pedimos desculpa, mas não abandonem os nossos filhos!

 

Político: _ Todos os líderes políticos mundiais comprometem-se a que metade do orçamento que se gasta com armas, com o aparato policial e com a indústria dos tranquilizantes e dos antidepressivos será investida na educação. Prometemos também resgatar a dignidade dos professores e nenhuma criança ficará sem escola.

 

(Os professores choraram. Ficaram comovidos.)

 

Voz off: Há séculos que os professores esperavam que a sociedade acordasse para o drama da educação. Infelizmente, a sociedade só acordou quando as misérias sociais atingiram patamares insuportáveis.

 

Professor nº 1: _ Estamos sensibilizados com o vosso reconhecimento. De facto, nós amamos cada criança, cada adolescente e cada jovem e tudo o que fazemos é para o seu bem-estar e para a sua formação integral, contribuindo para a construção de uma sociedade melhor e mais justa. Voltaremos para as salas de aula e ensinaremos cada aluno a navegar nas águas da emoção.

 

(Todos se calam e permanecem nos lugares)

 

Voz off:

            Pela primeira vez, a sociedade colocou a educação no centro das suas atenções. A luz começou a brilhar depois da longa tempestade… Ao fim de dez anos, os resultados apareceram e, vinte anos depois, todos ficaram boquiabertos.

            Os jovens já não desistiam da vida. Já não havia suicídios. O uso das drogas dissipou-se. Quase já não se ouvia falar de transtornos psíquicos e de violência. E a discriminação? O que era isso? Já ninguém se lembrava do seu significado. Os brancos abraçavam afetuosamente os negros. As crianças judias dormiam em casa das palestinas. O medo dissolveu-se, o terrorismo desapareceu, o amor triunfou

. As prisões tornaram-se museus. Os polícias tornaram-se poetas. Os consultórios de psiquiatria esvaziaram-se e tornaram-se escritores. Os juízes tornaram-se músicos. Os promotores filósofos. E os generais? Descobriram o perfume das flores, aprenderam a sujar as mãos para as cultivar.

E os jornais e as televisões do mundo? O que noticiavam, o que vendiam? Deixaram de vender mazelas e lágrimas humanas. Vendiam sonhos, anunciavam a esperança…

Quando se tornará esta história realidade? Se todos sonharmos este sonho, um dia ele deixará de ser apenas um sonho.

 

 CURY, Augusto, Pais Brilhantes, Professores Fascinantes- Como formar jovens felizes e inteligentes, Editora Pergaminho, 2004, pp 159-167. (Texto adaptado e com supressões)

 

NOTA: A Editora e o autor permitem o uso do texto da “Grande Torre” para encenação teatral nas escolas, com o objetivo de homenagear os pais e os mestres, desde que citada a fonte. (N.do A.)

 

 

 

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