sexta-feira, 4 de outubro de 2019

NAU CATRINETA - TRÍPTICO



Inaugurada a 17 de Julho de 1943, a Gare Marítima de Alcântara de Lisboa, foi projectada pelo arquitecto Porfírio Pardal Monteiro (1897-1957) e constitui, com a Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, de 1948, também da sua autoria, um dos mais importantes projetos modernistas da arquitetura portuguesa dos anos 40.
      Os frescos da gare (8 painéis - dois trípticos e duas composições isoladas) são da autoria de Almada Negreiros (artista português multifacetado).
      Um dos trípticos conta a lenda da Nau Catrineta associada aos Descobrimentos dos portugueses.
 PAINEL 1 – Apresenta uma nau, com os marinheiros à mesa e os pratos vazios. Como sabem, eles deitaram sortes para ver quem matariam, a fim de terem de comer. E logo a sorte foi cair no capitão que pede a um marujo, que suba ao mastro, para ver se via terra, numa tentativa de escapar da morte.
 PAINEL 2 - Entretanto o gajeiro (marinheiro encarregado de subir aos mastros) terá sido possuído pelo demónio, e pede alvíssaras (recompensas) ao capitão. Este oferece-lhe sucessivamente, a mais formosa das suas três filhas, muito dinheiro, o seu cavalo branco e a Nau Catrineta, mas tudo ele recusa, dizendo que quer a alma do capitão. O capitão renega-o dizendo que a sua alma é só de Deus, e que antes dá o corpo ao mar. Nesta pintura se pode ver a nau, as três meninas e o cavalo.

PAINEL 3 - Vencido o demónio pela fé do capitão, eis que chegam a terra. Esta pintura mostra a chegada a terra. Reparem que apesar desta lenda ser relativa aos Descobrimentos, o pintor usou para "vestir" as pessoas, roupas da época - anos 40.




NAU CATRINETA

Lá vem a Nau Catrineta,
que tem muito que contar!
Ouvide, agora, senhores,
Uma história de pasmar."

Passava mais de ano e dia,
que iam na volta do mar.
Já não tinham que comer,
nem tão pouco que manjar.

Já mataram o seu galo,
que tinham para cantar.
Já mataram o seu cão,
que tinham para ladrar."

"Já não tinham que comer,
nem tão pouco que manjar.
Deitaram sola de molho,
para o outro dia jantar.
Mas a sola era tão rija,
que a não puderam tragar."

"Deitaram sortes ao fundo,
qual se havia de matar.
Logo a sorte foi cair
no capitão general"

- "Sobe, sobe, marujinho,
àquele mastro real,
vê se vês terras de Espanha,
ou praias de Portugal."

- "Não vejo terras de Espanha,
nem praias de Portugal.
Vejo sete espadas nuas,
que estão para te matar."

- "Acima, acima, gajeiro,
acima ao tope real!
Olha se vês minhas terras,
ou reinos de Portugal."

- "Alvíssaras, senhor alvissaras,
meu capitão general!
Que eu já vejo tuas terras,
e reinos de Portugal.
Se não nos faltar o vento,
a terra iremos jantar.

Lá vejo muitas ribeiras,
lavadeiras a lavar;
vejo muito forno aceso,
padeiras a padejar,
e vejo muitos açougues,
carniceiros a matar.

Também vejo três meninas,
debaixo de um laranjal.
Uma sentada a coser,
outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas,
está no meio a chorar."

- "Todas três são minhas filhas,
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-de casar"

- "A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar.
Que eu tenho mulher em França,
filhinhos de sustentar.
Quero a Nau Catrineta,
para nela navegar."

- "A Nau Catrineta, amigo,
eu não te posso dar;
assim que chegar a terra,
logo ela vai a queimar.
- "Dou-te o meu cavalo branco,
Que nunca houve outro igual."

- "Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar."
- "Dar-te-ei tanto dinheiro
Que o não possas contar"

- "Não quero o vosso dinheiro
Pois vos custou a ganhar.
Quero a Nau Catrineta,
para nela navegar.
Que assim como escapou desta,
doutra ainda há-de escapar"

Lá vai a Nau Catrineta,
leva muito que contar.
Estava a noite a cair,
e ela em terra a varar.

A Nau Catrineta é um poema anónimo romanceado, ligada à tradição oral e comunicativa que, segundo Almeida Garrett, provavelmente foi inspirado na tumultuada viagem do navio Santo António, que transportou Jorge de Albuquerque Coelho (filho de Duarte Coelho Pereira, donatário da capitania hereditária de Pernambuco), desde o porto de Olinda, no Brasil, até o porto de Lisboa, em 1565.
O poema narra as desventuras dos tripulantes durante a longa travessia marítima - os mantimentos que esgotaram, a presença de tentação diabólica e afinal, a intervenção divina, que leva a nau a seu destino.
O poema foi recolhido por Almeida Garrett e incluído no Romanceiro.

(Esta informação está exposta no átrio da biblioteca MJA e foi elaborada pela professora de Educação Visual, Anabela Quelhas - este será o ponto de partida para a exploração plástica do tema Erasmus+, "O mar e a História".)   

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